Auditoria aponta sobrepreço de 2.180%, cláusulas restritivas, agrupamento indevido de itens e até cópia de editais de outras cidades; kits de robótica não estavam em uso pelos alunos.
Uma auditoria minuciosa do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) desvendou um possível superfaturamento de mais de R$ 400 mil na aquisição de kits de robótica e materiais escolares pela Prefeitura de São Bento do Una, no Agreste pernambucano. O caso, que ainda aguarda julgamento, já gerou uma série de recomendações de débito e multa, apontando sérias falhas na gestão de recursos públicos.
Segundo o auditor Ricardo Palmeira Tenório, responsável pelo relatório, o município contratou itens dos kits de robótica por um valor total de R$ 424.000,00. No entanto, uma pesquisa de mercado do TCE-PE em sites especializados revelou que os mesmos materiais poderiam ter sido adquiridos por apenas R$ 18.589,00. “Foi identificado um superfaturamento de R$ 405.411,00 nos itens dos kits de robótica, o que representa um ágio de 2180,92%”, afirma Tenório no documento.
A auditoria especial, referente ao exercício de 2024, investigou um pregão eletrônico para a contratação de uma empresa especializada em “implantação por materiais e equipamentos e acompanhamento por softwares de projeto de ensino de aprendizagem criativa”. A Xptec Ltda, única concorrente, venceu o certame com uma proposta de R$ 2.741.909,36.
Diante das evidências, o TCE-PE agiu rapidamente. Uma medida cautelar foi deferida em novembro de 2024, determinando a suspensão do contrato e a abertura da auditoria. Na mesma data do deferimento da cautelar, o prefeito Alexandre Batité (MDB) publicou a rescisão do contrato, alegando que este era “oneroso para o município”. Vale ressaltar que a prefeitura já havia desembolsado R$ 556.477,34.
A auditoria, concluída em 27 de maio de 2025, responsabiliza diretamente a secretária municipal de Educação, Gisângella Cavalcante de Morais. O relatório afirma que, ao “não realizar o Estudo Técnico Preliminar de forma correta, ocorreu uma licitação direcionada, com sobrepreço e superfaturamento”.
O documento detalha que houve ausência de explicação sobre a real necessidade de todos os itens licitados, como elementos de kit de robótica, sala maker, impressora 3D, máquina de corte a laser e lousa interativa. Além disso, o agrupamento injustificado de itens em lotes — como papelaria com mobiliário e impressoras 3D, e kits de robótica com software de acompanhamento — foi considerado ineficiente e prejudicial à competitividade, invalidando a justificativa da prefeitura sobre a dificuldade de gerenciar múltiplos contratos.
Um ponto alarmante levantado pelo auditor foi a descoberta de que termos de referência de São Bento do Una apresentavam trechos idênticos aos encontrados em documentos das prefeituras de Sanharó, Custódia, Águas Belas e Lagoa Nova-PB. Essas similaridades incluem termos como “kits de oficinas, manuais, cursos de formação, locação de laboratórios equipados”, além de expressões idênticas em justificativas e outras passagens.
O relatório também apontou cláusulas restritivas relacionadas ao software de gerenciamento de desempenho escolar (PostgreSQL) e ao framework Django, sem justificativa para a limitação a tecnologias específicas quando há diversas outras opções no mercado (como MySQL, SQL Server, Java, PHP). Essas restrições teriam levado a Xptec Ltda a ser a única participante do lote questionado.
A auditoria ainda revelou que os kits de robótica e a sala maker, pagos em agosto de 2024, não estavam sendo utilizados pelos alunos durante uma visita técnica à prefeitura em 21 de fevereiro deste ano.
Diante das constatações, a auditoria sugere a imputação de débito de R$ 405.411,00 à empresa Xptec Ltda por superfaturamento, a ser dividido com a secretária de Educação Gisângella Cavalcante de Morais, pela inclusão de cláusulas restritivas e agrupamento indevido.
Além disso, o auditor recomenda que a Xptec Ltda e a secretária paguem um débito adicional de R$ 96.589,00 por falta de comprovação de itens pagos e por autorizar pagamentos sem a devida conferência, respectivamente. Por fim, é sugerida a aplicação de multa a Gisângella Cavalcante de Morais por atos ilegais e antieconômicos, como “ter atestado o recebimento dos itens e serviços sem a devida conferência” e “não ter posto em utilização pelos alunos os kits e a sala maker pagos”.
O caso agora segue para julgamento no TCE-PE, e nosso canal permanece à disposição da Prefeitura de São Bento do Una e do prefeito Alexandre Batité (MDB) para quaisquer esclarecimentos ou pronunciamentos sobre as apurações.
Com informações do Diário de Pernambuco