Reconhecimento nacional celebra a rica história e a diversidade dessa manifestação cultural pernambucana, que já era festejada no estado há mais de duas décadas em homenagem ao Mestre Luís de França.
O Senado Federal deu um importante passo para o reconhecimento e a valorização de uma das mais emblemáticas manifestações culturais de Pernambuco e do Brasil. Nesta terça-feira (15), foi aprovado o projeto de lei (PL 397/2019) que oficialmente cria o Dia Nacional do Maracatu, a ser celebrado anualmente em 1º de agosto.
A data escolhida para homenagear o Maracatu em todo o país não é aleatória. Ela reverencia a memória de Mestre Luís de França, figura lendária e líder do Maracatu Nação Leão Coroado, uma das agremiações mais tradicionais e respeitadas de Pernambuco. O maracatu, em sua essência, é uma expressão cultural plural que harmoniza ritmos afro-brasileiros marcantes, danças ancestrais, ricas manifestações religiosas e vestimentas tradicionais carregadas de simbolismo.
O Caminho para o Reconhecimento Nacional
O projeto de lei que culminou com a aprovação no Senado teve sua origem em 2019, sendo de autoria da então deputada federal e atual vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos. A relatoria no Senado ficou a cargo do senador pernambucano Humberto Costa (PT-PE), que destacou a relevância cultural e histórica do maracatu para o país.
É importante ressaltar que o dia 1º de agosto já possuía um significado especial para os amantes do maracatu em Pernambuco. Desde 1997, o estado celebrava nesta data o Dia do Maracatu, em uma iniciativa pioneira que reconhecia a profunda importância dessa manifestação para a identidade cultural pernambucana.
Com a aprovação no Senado, o projeto de lei segue agora para a sanção presidencial, etapa final para que o 1º de agosto se torne oficialmente o Dia Nacional do Maracatu no Brasil.
A Essência e a Diversidade do Maracatu
Originário de Pernambuco no século XVIII, o maracatu carrega em sua história as influências das culturas africana, indígena e europeia, em um sincretismo cultural único e vibrante. A própria palavra “maracatu”, utilizada inicialmente pelos senhores de engenho para se referir à “confusão” dos escravizados, foi ressignificada por estes como uma senha, um código de comunicação através dos tambores para alertar sobre a chegada da repressão policial às suas festividades.
O maracatu se manifesta principalmente em duas vertentes distintas: o Maracatu Nação (ou de baque-virado) e o Maracatu Rural (ou de baque-solto). O primeiro é mais comum na Região Metropolitana do Recife, enquanto o segundo está intrinsecamente ligado ao ciclo da cana-de-açúcar na Zona da Mata de Pernambuco.
Os grupos de Maracatu Nação, carinhosamente chamados de “nações”, são frequentemente entidades seculares, com fortes laços com as religiões de matriz africana e ameríndia, como o Candomblé, o Xangô e a Jurema Sagrada. Apesar de compartilharem uma essência comum, cada nação possui suas particularidades na forma de conduzir suas atividades, desde a relação com a fé e a comunidade até a execução musical, as vestimentas e as coreografias.
Já o Maracatu Rural, com seus primeiros registros no início do século XX, apresenta características marcantes como a figura dos caboclos de lança, que protagonizam um desfile que remete a uma batalha ritualística. Organizados em trincheiras, os caboclos, liderados por um “caboclo de frente”, executam manobras sincronizadas com suas lanças, ao som vibrante dos chocalhos, da percussão do tarol e do surdo, além da melancolia da cuíca e de diversos instrumentos de sopro.
Mestre Luís de França: O Legado que Inspira uma Nação
A escolha do dia 1º de agosto como Dia Nacional do Maracatu é uma justa homenagem a Luís de França, que liderou e articulou o Maracatu Nação Leão Coroado desde a década de 1950 até seu falecimento em 1997. Sob sua liderança, o Leão Coroado se tornou um símbolo da cultura pernambucana, sendo reconhecido como Patrimônio Vivo do Estado em 2005.
Nascido em 1º de agosto de 1901, no coração do Recife, Mestre Luís de França iniciou sua trajetória no maracatu em uma época em que sua sede ficava no bairro da Boa Vista, em uma rua que hoje carrega o nome Leão Coroado. Sua ligação com as tradições religiosas também era forte, sendo membro da Irmandade de São Benedito da Igreja de São Gonçalo da Boa Vista e da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Santo Antônio. Foi José Luís, um dirigente desta última irmandade, quem передал ao seu afilhado Luís de França a missão de liderar o Maracatu Nação Leão Coroado.
A partir daí, Mestre Luís de França dedicou sua vida à organização do grupo, ao cumprimento das obrigações religiosas e à maestria da batucada, cujo baque secular ele aprendeu com seu pai. Sua liderança firme e seu profundo conhecimento das tradições garantiram a continuidade e o florescimento do Leão Coroado, influenciando gerações de maracatuzeiros.
Em um reconhecimento à sua importância e à força do maracatu, no mesmo ano de sua morte, em 22 de dezembro de 1997, foi instituído o Dia Estadual do Maracatu, através da Lei 11.506 de Pernambuco. Agora, com a aprovação no Senado, o legado de Mestre Luís de França e a riqueza do maracatu ecoarão por todo o Brasil, celebrados em um dia dedicado a essa manifestação cultural singular.